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“Não acho que a pandemia deixará um grande legado”, avalia filósofo Luiz Felipe Pondé

Psicanalista e sociólogo lança o livro Você é Ansioso? e debate a ansiedade na modernidade e sua relação com a pandemia

Ao lado da depressão, a ansiedade se tornou uma das grandes complicações da sociedade de algumas décadas para cá. Os estudos transitam por diversas áreas do nosso cotidiano, relacionando o transtorno a conceitos de modernidade, tecnologias e excesso de informações. Mas podemos ter certeza disso tudo? Em entrevista ao CORREIO, o filósofo, psicanalista e sociólogo Luiz Felipe Pondé discorre sobre a temática a partir do lançamento do seu livro: Você é Ansioso? Reflexões Contra o Medo.

Coincidência ou não, a obra de Pondé chega num momento em que a saúde mental é cada vez mais debatida e recebe os importantes olhares que precisa ter. Na pandemia, quem já convivia com essa constante sensação de angústia se sentiu ainda mais pressionado, e quem não havia experimentado passa a entender os questionamentos que tanta gente faz.

“O livro não foi pensado exatamente para esse momento, ele foi atropelado por isso. Comecei a escrever ele no ano passado e tinha que acabar ele em maio. E aconteceu que terminei no começo de março, por conta da pandemia, muito antes do esperado. Então o livro trata sobre a ansiedade no mundo contemporâneo e não voltado só para quarentena”, explica o filósofo, que retrata o isolamento social na introdução e na conclusão do livro, lançado pela editora Planeta Brasil.

Livro foi lançado pela Editora Planeta (Foto: Reprodução)

Nascido em Recife, o também escritor de 61 anos morou em Salvador pouco mais de 20 anos de sua vida, quando foi estudante do Colégio Antônio Viera. Se aprofundou na psicanálise durante a graduação, na Escola de Medicina da Universidade Federal da Bahia. No período que esteve na capital baiana, também dividius os estudos fora do Brasil, em países como a Israel, onde conheceu a esposa, Danit Zeava Falbel Pondé. Após a conclusão dos estudos da psicanálise, migrou para o campo da filosofia, se formando na graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e pós doutorado na área. Lançou mais dez livros e hoje é colunista da Folha de S. Paulo e professor da Puc e da Faap, em São Paulo. Além disso, é dono de dois canais no Youtube, comando mais de um milhão de inscritos.

Na conversa, é possível entender o que é a ansiedade e suas relações com o controle da vida, sucessos e fracassos, e seus desejos pessoais. E no fim dessa vivência de isolamento na pandemia, qual legado será deixado? Para o psicanalista, nada daquele discurso em que ‘a pandemia nos uniu e aprendemos como sociedade’. “Teremos avanços nas tecnologias remotas, na medicina, mas essas mudanças sociais bonitinhas não passa de marketing. A humanidade passou por epidemias muito piores, como a Gripe Espanhola, e não aprendemos nada”, criticou Pondé.

CORREIO: É muito importante definir o que é a ansiedade. De que forma isso é abordado no livro?
Pondé: Primeiro, a ansiedade é um termo normalmente associado ao mundo da psicologia e psiquiatria, e é um afeto ligado a projeções para o futuro e o sentimento de incapacidade de controlar esse futuro, que pode ser daqui uma hora como também pode ser daqui a dez anos. O livro é sobre a sociologia da ansiedade, onde eu pego alguns marcadores sociais do mundo contemporâneo, desde hábitos de consumos, busca de sucesso material e profissional, dúvida com relação ao modelo familiar, solidão, mercado de trabalho, política  e uma série de fatos sociais que disparam os sentimentos de tentativa de controle contínuo. Essa é a ansiedade tratada no livro

CORREIO: A ansiedade se relaciona com a sensação de incerteza, certo? De que forma isso se associa a pandemia que vivemos? 
Pondé: Para chegar nessa situação, uma das características da ansiedade contemporânea é ser dialeticamente decorrente sucesso do controle da vida moderna. Sucesso na técnica, nas tecnologias de programação da vida, de organização da vida, sucesso na medicina e na ciência… Então tudo isso dispara uma expectativa de cada vez mais sucesso, portanto cada vez mais controle. A pandemia é uma situação inusitada, apesar da humanidade ter enfrentado [pandemias] muito piores do que essa, como a Gripe Espanhola. E vínhamos a algum tempo sem nenhuma experiência constrangedora de incerteza como essa. E nós, viciados em sucesso e em controle, somos lançados nessa experiência biológica, sociológica, política e econômica de incerteza. Então você conecta ansiedade com experiência de pandemia.

“Há 102 anos não se tinha uma experiência dessa magnitude”, lembrou o psicanalista.  

CORREIO: O sucesso é sinônimo de controle da situação?
Pondé: O sucesso moderno é muito fruto do controle. Medicina preventiva, vacinas, organização logística da vida, capitalismo globalizado e até aviões que quase caem O sucesso ao qual me refiro sociologicamente é este. Claro que cada um experimenta da sua maneira, mas a condição material de vida avançou muito nos últimos cem, duzentos anos, e o que eu digo no livro é que essa é uma das causas da ansiedade.

CORREIO: De onde parte o seu interesse para esse estudo sociológico da ansiedade? Já era um desejo escrever sobre isso?
Pondé:
 Isso vem das minhas leituras quando estudava psicanálise na Escola de Medicina da Ufba.  Quando me mudei para São Paulo, continuei nos estudos. Posso dizer que o primeiro interesse tem a ver com o estudo da angústia, de Freud. Já o interesse prático vem de 25 anos de docência na graduação, pela percepção da ansiedade dos alunos Tanto que o maior capítulo do livro é sobre jovens.

CORREIO: Então podemos relacionar a ansiedade a faixa etária? Existe um público alvo para esse problema?
Pondé: 
Eu acho que os jovens – a grosso modo falando das pessoas nascidas em meados dos anos 80 para cá – são objetos de grande ansiedade porque eles percebem que eles estão em minoria, estão nascendo cada vez menos. Os adultos não têm mais tantos filhos, o relacionamento dos pais é difícil, as famílias se desmancham ou até situações de filhos que nascem só com a mãe, o que sempre é um problema. Mas não é só geracional, a insegurança no mercado de trabalho é grande, a confiança no mundo é menor. E os jovens de classe média são excessivamente protegidos em casa, e quando vão para o  trabalho e universidade e começam a sofrer.

Outro grupo que também é muito acometido de ansiedade são os longevos, como tem o capítulo no livro ‘Ansiedade na Longevidade’. Aí é ansiedade relacionada a solidão, perda da importância e da produtividade, dificuldade de se relacionar com os mais jovens e, claro, a morte iminente. O fato da medicina adiar a morte explora ainda mais a ansiedade, com a obrigação de fazer exames periódicos, que são uma fonte em si de ansiedade.

“Agora tem outras ansiedades que vivemos, como a estrutura política do Brasil, mercado de trabalho ou os papéis sociais de gênero. Também são marcadores sociais de ansiedade”, sinalizou o filósofo

CORREIO: Podemos considerar esse um problema moderno?
Pondé: 
O primeiro capítulo do livro é uma análise da ideia de era, associada a um afeto –  como a ansiedade – a partir da historiografia. Concordo com os historiadores que é complicado você aplicar um afeto a uma era histórica, porque não dá para dizer que o homem do alto paleolítico tinha menos ansiedade de controle do que nós. Não posso não dizer que alguém que vivia a Segunda Guerra Mundial tinha menos ansiedade do que nós. É por isso que primeiro capítulo eu explico que a ansiedade que me refiro é especificamente associada ao sucesso moderno no controle da vida e as experiências de descontrole dela. Por isso o momento que estamos vivendo é paradigmático em relação a ansiedade.

CORREIO: É possível conviver em harmonia com a ansiedade?
Pondé: 
Em harmonia plena não. Mas uma forma de  sobreviver como uma certa elegância, como falo no final do livro (risos), é tomar os ansiolíticos. Tem um capítulo no livro onde eu vinculo a ansiedade ao desejo. Uma vida razoável com a ansiedade significa não desejar tanto, seja o sucesso, bens materiais… o que é quase impossível na sociedade que a gente vive. Na verdade você mitiga a sua ansiedade.

CORREIO: Sobre a relação com as redes sociais, qual o impacto delas nessa situação?
Pondé: 
Elas são uma ferramenta fundamental para o crescimentos de sensações ansiogênicas. Uma das formas de ficar ansioso é se preocupar com o seu engajamento na rede social, com o que você gera. Se você é uma pessoa que está sempre voltada para o engajamento que gera, a tendência é que você exploda de ansiedade. A ideia de cliques, curtidas e seguidores, é uma ansiedade quase que ‘produzida cientificamente’. Eu falo no livro que, a depender da distância mantida dessa relação de engajamento, gera mais ou menos ansiedade.

“Na análise sociológica que faço com o mundo moderno trato como uma epidemia. Quanto mais desejo, mais ansiedade, porque há uma necessidade de controle para o seu desejo. Quanto mais informação você tem, mais você tem que dar conta dela para conseguir realizar o desejo”, sobre a relação do desejo como um propulsor da ansiedade

CORREIO: Mas e quando os seus desejos são sentimentais ou emocionais? É uma fonte que alimenta a ansiedade?
Pondé:
 Sem dúvida. Ainda mais quandos os vínculos estão cada vez mais líquidos. Uma das maiores causas da ansiedade é a expectativa de ser respeitado, de ter uma vida digna. Não tem jeito, esses pensamentos levam à ansiedade.

CORREIO: Relacionando com a ansiedade, o que a pandemia vai deixar de legado?
Pondé:
 Nesse primeiro momento o grande legado será: paranoia e insegurança, portanto a ansiedade. O retorno será bastante ansioso. Se fizermos uma conta super larga, até o final deste ano vai ser um período de aumento de ansiedade, principalmente em relação a economia e à crise política. Depois não, acho que depois a pandemia não vai deixar um grande legado. Primeiro pela tendência de esquecermos as coisas mais rápido, porque a vida pede que seja assim, e também por conta do avanço médico. Provavelmente essa será a vacina a ser desenvolvida mais rápido na história da medicina, e porque precisamos voltar à vida. Pagar contas, fazer filhos, viajar…

“Essa é uma experiência revolucionária da espécie, quem ficou pensando em tudo de ruim não sobreviveu”, completou

CORREIO: Entre as figuras que devem dar o exemplo após o fim da pandemia está o poder público. Concorda com isso? Como devem agir? 
Pondé: Acho que essa é a grande questão prática da Pandemia no Brasil. Deste ponto de vista, creio que é a mais importante. É saber se essa experiência vai tornar a classe política [brasileira] menos canalha. E ainda não temos resposta. Como por exemplo, questões como a saúde pública, O fato do SUS ser um dos melhores sistema do mundo no papel, e que funciona de forma desigual no país inteiro. Do ponto de vista político, vejo que todos eles estão usando a pandemia como insumo para sua carreira. Posso comparar o comportamento de governadores e prefeitos, como os daqui de São Paulo, que é mais responsável que o do presidente Bolsonaro. Por mais que ainda usem para fins eleitorais, eles guardam uma margem de responsabilidade com o que está acontecendo no seu estado ou no país.

“Espero que a pandemia melhore os políticos”, finalizou o psicanalista   

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