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Crise do coronavírus ameniza hostilidade entre Congresso e Executivo, mas põe reformas em limbo

Ao longo da semana passada, Brasília assumiu de vez o ar de "cidade fantasma" provocado pelo novo coronavírus. Em plena quarta-feira (18), Congresso e outros órgãos públicos estavam quase vazios, durante o dia da semana que costuma ser o mais movimentado na capital federal.

Para o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), a nova realidade imposta pela epidemia traz ao menos um alívio: a garantia de que a irritação causada no Congresso pela postura do presidente de apoiar protestos contra a Casa não se traduza, pelo menos agora, em enfrentamento ou retaliação.

Por outro lado, até mesmo articuladores políticos do Planalto admitem que a votação de reformas discutidas até agora deixaram totalmente o horizonte.

Além disso, analistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o apoio ao presidente da República parece estar recuando — um indicador disso seriam os panelaços ouvidos nas noites de terça (17) e quarta (18) nas principais cidades brasileiras.

Para estes analistas, a popularidade do Presidente da República tende a sofrer durante a epidemia, especialmente porque a disseminação do vírus deve vir acompanhada de uma queda brusca na atividade econômica.

Poder em quarentena

A semana passada marcou o início efetivo da “quarentena” em Brasília. As ruas da cidade ficaram praticamente desertas a partir de quinta-feira (19), quando o governador Ibaneis Rocha (MDB) determinou o fechamento de todos o comércio, com exceção de padarias, farmácias e supermercados.

No Executivo, foram editadas regras para permitir o trabalho remoto de vários servidores. Viagens e alguns tipos de reunião também foram cancelados, e os gestores de cada ministério ganharam poderes para ajustar a rotina dos órgãos à nova realidade.

O Ministério Público da União (MPU) também liberou servidores e membros para atuarem a partir de suas casas — embora eles estejam de sobreaviso.

A restrição está em vigor tanto na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, quanto nos Estados. Atinge não só o Ministério Público Federal (MPF), mas também o MP do Trabalho, e o MP Militar.

GETTY IMAGES Image caption Última semana foi marcada por uma quarentena em Brasília de diversos órgãos, seguindo o isolamento em outras capitais, como Rio e São Paulo

Nos tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os julgamentos presenciais continuam — ao menos por enquanto.

Mas mesmo lá a presença de servidores foi reduzida e as reuniões passaram a acontecer sem a presença do público e de jornalistas. Apenas os advogados das partes estão tendo acesso às sessões.

No Congresso Nacional, acabaram as reuniões presenciais de deputados e senadores — a Câmara e o Senado aprovaram resoluções que permitem a votação remota de matérias.

No começo da tarde de sexta (20), os senadores já usaram o novo sistema de votações remotas para aprovar o estado de calamidade pública no país, solicitado dias antes pelo Executivo. Na Câmara, as votações desta semana também foram feitas de forma remota.

Apenas os líderes das bancadas e alguns poucos assessores estavam fisicamente no plenário, e, mesmo assim, para votar temas de consenso.

Na Câmara, um dos assuntos votados foi uma medida provisória que dá mais prazo para empresas e instituições filantrópicas parcelarem impostos devidos à União.

Dezenas de reuniões de comissões também foram canceladas, inclusive da CPMI das Fake News. O colegiado tinha se tornado um palco de desgaste para o governo nos últimos meses.

A mudança no Legislativo significa que só temas que sejam consenso entre todas as bancadas serão votados — e, até por isso, nem mesmo líderes dos partidos de oposição acreditam que o Congresso vá impor qualquer tipo de derrota ao governo agora.

“Eu tenho impressão de que o Congresso deve permanecer focado em projetos para a saúde pública e a economia. Passada essa fase, aí sim daremos a resposta que o presidente merece”, disse à BBC News Brasil o líder do PT, Enio Verri (PR), na semana passada.

A “resposta” mencionada pelo petista seria ao apoio que Bolsonaro prestou no último domingo (15) a protestos contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Na ocasião, Bolsonaro deixou o isolamento para saudar manifestantes em frente ao Palácio do Planalto.

Reformas saíram do foco

A quarentena também tirou de foco as reformas econômicas defendidas pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes. No começo do mês, o ministro enviou ao Congresso uma lista de 19 projetos prioritários — e nenhum deles deve ser votado tão cedo no Legislativo.

Temas como a reforma tributária ou a chamada PEC Emergencial, que tinham começado a ganhar tração no Congresso, agora terão de esperar o fim da pandemia do novo coronavírus.

A PEC Emergencial é uma mudança na Constituição para possibilitar à União e aos Estados mais cortes de gastos — diminuindo os salários de servidores públicos, por exemplo. O próprio relator da medida, porém, admitiu em entrevista ao site especializado Congresso em Foco que o texto perdeu importância neste momento.

GETTY IMAGES Image caption Um articulador do governo no Congresso admite que não há clima para votar qualquer coisa agora

Já a reforma tributária começou a ser discutida pelo Congresso no início de março, em uma comissão mista de deputados e senadores. As atividades do grupo, no entanto, estão paralisadas. Não há previsão de novas reuniões do colegiado.

Um articulador do governo no Congresso admite que não há clima para votar qualquer coisa agora, além das medidas emergenciais.

“A prioridade do governo agora são as medidas do coronavírus”, diz o servidor da Secretaria de Governo.

No sábado, por exemplo, o Executivo enviou ao Congresso uma medida provisória que trata da compra de equipamentos e insumos para enfrentamento ao corona. O texto também criou controvérsia ao limitar o poder de governadores para tomar medidas como fechar aeroportos ou rodovias.

A MP entra em vigor no momento em que é publicada, mas depois precisa passar pelo crivo de deputados e senadores.

“Por enquanto, ninguém vai gastar energia (com reformas econômicas). (…) A PEC Emergencial foi embora, diante (do reconhecimento) do estado de calamidade pública e do abandono da meta (fiscal). Então, perdeu o sentido no curto prazo”, diz ele.

“Mas depois que a crise (do coronavírus) estiver equacionada, ou encaminhada, essas pautas vão ressurgir com muito mais necessidade. O país deve entrar numa recessão muito grande”, diz o profissional.

Bolsonaro acumula desgaste, alertam analistas

Por mais que a “quarentena” em Brasília impeça o Congresso de qualquer eventual retaliação a Bolsonaro imediatamente, isto não significa que presidente não esteja se enfraquecendo, dizem analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

Para os especialistas, os “panelaços” registrados durante vários dias seguidos na semana passada seriam evidência de enfraquecimento do governo por conta da crise.

GETTY IMAGES Image caption Para os especialistas, os “panelaços” registrados durante vários dias seguidos na semana passada são evidência de enfraquecimento do governo por conta da crise

Na quarta (18), o barulho de panelas foi mais intenso no protesto antigoverno do que na manifestação pró-Bolsonaro, momentos depois.

“Estamos num momento em que nem haveria condições para votar uma ‘pauta bomba’ ou algo assim. Diante de tudo o que está acontecendo, até mesmo aquela ampliação no BPC (no Benefício de Prestação Continuada, aprovada em meados do mês) deixou de ser propriamente um problema e virou uma solução”, diz à BBC News Brasil o professor Cláudio Couto, que é cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Não temos um Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, do MDB-RJ) à frente do Legislativo. Temos políticos com outro perfil. As relações tendem a continuar tensas (entre os poderes), mas acho que nessa situação não há condições de uma confrontação”, diz ele, referindo-se ao político que aceitou o pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em dezembro de 2015.

“Agora, o que deve acontecer, e já há alguns indícios disso, é um desgaste muito grande do governo. É a questão dos panelaços, é o desembarque, nos últimos dias, de figuras que davam apoio ao governo. Estou pensando na (deputada estadual do PSL-SP) Janaína Paschoal, mas também em pessoas como o (agrônomo e produtor rural) Xico Graziano”, diz ele.

“Acho que devemos ter um período longo de desgaste. E quando tudo voltar à normalidade, voltará com um governo profundamente desgastado. O declínio econômico deve ser muito grande, e deve se refletir na popularidade do presidente”, diz Couto.

O analista político Rui Tavares Maluf destaca que a economia costuma ser uma variável chave para explicar o desempenho de diferentes governos — quando os eleitores perdem renda, o ocupante do Palácio do Planalto costuma penar.

“No fundo, a popularidade não pode ser descolada da dimensão econômica”, diz.

“Portanto, se por um lado é cômodo para Bolsonaro que Brasília esteja parada por enquanto, a crise toda provocada pela Covid-19 pode representar uma verdadeira bomba no colo dele”, diz Rui.

“O capital político dele vinha se erodindo num ritmo lento, dando ideia até de uma estabilização. Mas agora a coisa pode começar a mudar de figura para ele de uma forma muito veloz”, diz o analista.

Fonte: BBC Brasil

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