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Subnotificação: pedidos de medida protetiva caem 47% em Salvador durante a pandemia

Apesar da queda no número de pedidos, feminicídios dobraram na capital, aponta SSP

A fase de ameaças, no ciclo da violência doméstica, está mais duradoura e angustiante para a mulher que sofre com esse tipo de crime. Atualmente, ela e o agressor estão convivendo de forma mais prolongada, impossibilitando que a vítima denuncie o caso à polícia. Pelo menos este é um dos fatores que ajudam a explicar a subnotificação dos casos de violência contra mulher na Bahia durante a pandemia do novo coronavírus, de março para cá. Só nas medidas protetivas, houve uma queda de quase metade em relação ao mesmo período do ano passado.

Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), essa subnotificação representa a redução de 46,78% comparando os pedidos de medida protetiva de urgência e autos de prisão em flagrante na pandemia com o mesmo período do ano passado em Salvador. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado (SSP), durante a pandemia, quatro mulheres foram assassinadas – o dobro do mesmo período do ano passado.

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O caso mais recente aconteceu com Lucidalva Maria Barbosa, 42 anos. Ela foi morta pelo companheiro no dia 7 deste mês, no bairro de Boa Vista de São Caetano. O acusado esfaqueou a vítima no peito e foi preso momentos depois do crime.

De acordo com o TJ, de 16 de março a 3 de junho de 2019, quando ainda havia somente três Varas de Violência Doméstica de Salvador, foram registrados 994 procedimentos referentes aos pedidos de medida protetiva de urgência e auto de prisão em flagrante.  Já neste ano, com uma Vara a mais, foram 529 procedimentos – uma diferença de 465 pedidos.

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“Diminuiu muito, mesmo com quatro Varas neste ano. Em uma Vara foi mais de 80%, mas ao somar as 4 Varas em Salvador, foi cerca de 47% a diminuição. Ou seja, os registros diminuíram, mas a violência continua, muitas vezes mais acentuada por causa de presença constante do agressor”, explicou a desembargadora Nágila Maria Sales Brito, presidente da Coordenadoria da Mulher do (TJ-BA).

Ainda segundo a SSP, o número de denúncias de violência doméstica também despencou durante a pandemia. Na Bahia, as Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam) registraram quedas em todos os tipos de queixas desde que as medidas de isolamento social foram adotadas.

No período de 16 de março a 4 de junho, houve redução de 53,2% nos registros de ameaças (de 2.893 para 1.353); de 33,1% nas lesões corporais (de 1.418 para 948); e 78,6% nas tentativas de homicídio (de 14 para 6).

A subnotificação dos dados está relacionada a vários motivos. “Nessa pandemia, as mulheres em situação de violência estão sem oportunidade para sair, dificuldade de transporte, a maioria dos órgãos trabalhando por teletrabalho … São muitas causas, medo de sair e deixar os filhos com o agressor”, declarou a desembargadora Nágila Maria Sales Brito.

Disque 180
Quando são analisados os dados do Disque 180, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, percebe-se, em vez de queda, um aumento de quase 54% no número de denúncias na Bahia entre o mês de março até 19 de abril deste ano: foram 95 denúncias de violência doméstica no estado no mês passado contra 146 até o último dia 19.

A desembargadora acredita que, no primeiro momento, as mulheres chegam a ligar, mas desistem de levar o caso adiante, e o medo é o principal motivo. “O medo sempre está presente. Medo sobre o que pode acontecer depois de ela denunciar, de ele ser preso, afinal é o pai dos filhos, é a pessoa por quem ela nutre sentimentos, além, é claro, do medo de sair e ser contaminada na pandemia”, disse a desembargadora.

Para fortalecer as ações contra os agressores, as medidas protetivas, concedidas pelo Poder Judiciário baiano, para as mulheres vítimas de violência doméstica, neste período de pandemia do coronavírus, terão tempo de validade indeterminado. “Estamos tentando proteger mais a mulher, neste momento em que ela tem dificuldade de ir à Vara para pedir a medida protetiva”, frisa a desembargadora, que é presidente da Coordenadoria da Mulher do TJ.

Com relação às medidas protetivas que já estavam em andamento, antes do isolamento social, elas não serão revogadas, a não ser que a vítima solicite.

Murro
Cabisbaixa, Maria (nome fictício) entrou chorosa na Deam de Brotas, na manhã de sexta-feira (12). Totalmente fragilizada, sentou-se e tornou a chorar. Logo, ela foi amparada por uma assistente social da unidade, a quem faz o primeiro desabafo: “Cheguei ao meu limite”. Ela foi à unidade pedir a medida protetiva. “Meu cunhado vinha me ameaçando e agora deu um soco no meu rosto”, disse ela, antes de ter sido encaminhada a uma delegada.

Maria aguardava a irmã, mulher do acusado, para servir de testemunha para a formulação do pedido à Justiça.  Ela, que já havia denunciado o homem por espancar a irmã, levou um soco após reprimi-lo por fazer churrasco na porta de casa em plena pandemia. Maria, a irmã e o cunhado moram na casa da mãe dela, uma senhora de 70 anos, no bairro do Pau Miúdo.

“Ele expulsou todas nós e ameaçou nos matar caso voltássemos. Por isso, estou aqui para pedir a medida protetiva. Precisamos voltar para a nossa casa. Minha mãe é uma pessoa doente com tudo isso”, disse ela, que teve a medida solicitada.

Prisões
Dois mandados de prisão contra agressores foram cumpridos na manhã da última sexta-feira (12), pela equipe da  Deam de Periperi. Os dois haviam descumprido medidas protetivas concedidas às suas ex-companheiras.

De acordo com a delegada Lidiane Fraccari, titular da especializada, as vítimas procuraram a unidade na terça-feira (9) e tiveram os pedidos de prisão solicitados e decretados pela Justiça, ainda na quarta-feira (10).

Os dois homens respondem por agressões físicas e foram presos nos bairros de Cajazeiras e Pirajá. Ambos serão encaminhados ao sistema prisional.

Alternativas 
A advogada e presidenta da Comissão de Proteção aos Direitos da Ordem dos Advogados seção Bahia (OAB -BA), Renata Deiró, concorda que as mulheres não estão registrando os casos de violência doméstica, porque estão tendo dificuldades de acessar os órgãos de proteção, principalmente, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam).

“Um dos fatores mais característicos da violência doméstica é o isolamento social imposto pelo agressor, que impede a mulher de acessar sua rede de proteção (amigos, família, colegas de trabalho) e esse cenário ficou ainda mais agravado na pandemia. A violência doméstica aumentou e a subnotificação muito mais”, analisa.

Renata Deiró destaca a necessidade de reformulação da Delegacia Digital, que já existe para outros crimes, para atender também as ocorrências de violência doméstica, inclusive, as de natureza física. Outro ponto para combater as subnotificações está na prorrogação automática das medidas protetivas até que acabe a pandemia.

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