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Coronavírus: as medidas para proteger caminhoneiros e o medo do impacto econômico da pandemia

Em um país traumatizado com os efeitos da greve dos caminhoneiros de 2018, a ruptura da rotina causada pela pandemia do novo coronavírus levanta novos temores sobre um possível desabastecimento de produtos essenciais.

Representantes dos caminhoneiros, no entanto, dizem que a categoria não tem qualquer previsão de parar. Além disso, o governo vem anunciando medidas para tentar mitigar o impacto da pandemia sobre os transportes de carga.

“Sobre a preocupação da população e de todos outros atores com a questão se o caminhoneiro vai parar, a resposta é não. Os caminhoneiros sabem da importância do papel deles nesse momento”, afirma Marlon Maues, assessor executivo da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) em entrevista à BBC News Brasil.

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Mas, para que o abastecimento para a população seja garantido, é preciso garantir também condições de trabalho para os caminhoneiros e reduzir burocracias rotineiras, apontam as fontes ouvidas pela reportagem.

Postos de gasolina e alimentação, por exemplo, precisam estar abertos — houve relatos “pontuais” de dificuldades para encontrar estabelecimentos disponíveis na semana passada, aponta Maues. Representantes da categoria também pedem mais segurança nas estradas.

Nos últimos dias, o governo federal anunciou algumas medidas para contemplar demandas dos caminhoneiros. O transporte de carga — assim como os serviços médicos, de alimentos e de segurança pública, entre outros — foi definido por decreto presidencial como uma atividade essencial, ou seja, que não deve ser interrompida no período de combate ao novo coronavírus.

Na segunda-feira (23/03), o Ministério da Infraestrutura anunciou que vai suspender, em caráter excepcional, postos com balanças de pesagem (fiscalização do peso dos veículos) nas rodovias federais por 90 dias.

O titular da pasta, Tarcísio de Freitas, afirmou que a decisão visa a evitar o tempo de parada e o contato entre profissionais que costumam existir durante o procedimento padrão.

“Temos uma missão de garantir o abastecimento e a circulação de bens no país e para isso precisamos cuidar destes profissionais evitando ao máximo esse tipo de contato. A fiscalização se dará no momento do embarque”, disse o ministro no anúncio da decisão.

Flexibilização das exigências

Para os condutores em geral, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) anunciou no dia 19 uma série de flexibilizações em prazos durante a pandemia — pessoas com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) vencida desde 19/02/2020 passam a ter o documento validado por tempo indeterminado; prazos para recursos de multa e de suspensão do direito de dirigir também ficam suspensos; entre outros.

Em reunião com governadores na sexta-feira, o Ministério da Infraestrutura defendeu que Estados façam eventuais ajustes em decretos que já restringiram o comércio e circulação de bens durante a pandemia de coronavírus — garantindo explicitamente que serviços de suporte nas estradas, como oficinas, borracharias e pontos de alimentação possam continuar funcionando normalmente.

O ministério afirmou ainda à BBC News Brasil que estuda um ajuste na Lei do Descanso dos caminhoneiros para permitir, em caráter excepcional, tempo de trabalho maior nas estradas.

Segundo a pesquisa CNT Perfil dos Caminhoneiros 2019, estes trabalham em média 11,5 horas por dia e 5,7 dias por semana.

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Preocupação com a saúde dos caminhoneiros

Tayguara Helou, presidente do Conselho Superior e de Administração do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (Setcesp), indica que trabalhadores contratados por empresas e que são grupo de risco para o novo coronavírus devem ser afastados.

São considerados grupos de risco idosos e pessoas com doenças crônicas. De acordo com a pesquisa da CNT sobre o perfil dos caminhoneiros, estes têm média de idade de 44,8 anos. Pessoas com mais de 60 anos são 13% da categoria.

A pressão alta — condição de risco para a covid-19 — foi o problema médico diagnosticado ou já tratado mais citado por caminhoneiros na pesquisa, por 18% deles.

Enquanto caminhoneiros contratados e que recaem em grupos de risco para a covid-19 podem ser afastados, parte dos profissionais neste mercado são autônomos — classificados como o “elo mais fraco” da cadeia de transportes por Marlon Maues, da CNTA.

“O caminhoneiro autônomo é o elo hipossuficiente da cadeia — sendo o dono do próprio negócio, ele está em desvantagens em vários pleitos, desde a contratação do frete à negociação com um grande ator da indústria”, diz Maues.

“Há demandas nossas que sempre existiram, mas agora são ainda mais urgentes com o coronavírus. Há pátios de triagem (locais de espera para descarga de mercadorias, como nas proximidades de um porto), por exemplo, que são desumanos, com banheiros em péssimas condições e muita aglomeração.”

Maues reconhece que, circulando, os caminhoneiros estão mais expostos à transmissão do que os trabalhadores que podem trabalhar de casa e ficar isolados, mas lembra que estes motoristas são considerados parte dos serviços essenciais hoje no país.

Para aqueles que continuam circulando, a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR) também anunciou algumas medidas — como a distribuição de álcool em gel nas praças de pedágio e a instalação de postos de atendimento nas estradas para verificar a saúde dos caminhoneiros, como com a medição da temperatura corporal.

Mas há também aqueles autônomos que decidiram ficar em casa para evitar transmissões, como Moisés de Oliveira Costa, de 42 anos, um dos líderes dos caminhoneiros autônomos na greve de 2018.

“Não sei se sou grupo de risco, mas independente disso, decidi ficar em casa para preservar a família. Nas últimas semanas consegui trabalhar bem e levantar um dinheiro; minha mulher também trabalha, então temos uma reserva para uns 15 dias. Vou voltar a trabalhar quando baixar a poeira”, diz Costa, que mora em São Paulo e costuma fazer rotas para Santos e destinos na Bahia, sendo pago por viagem.

Mais oferta de trabalhadores, menor demanda de serviço

Tayguara Helou, da Setcesp, diz que há “risco zero” de uma paralisação como a de 2018 — motivada por demandas pela redução do preço dos combustíveis e a fixação de uma tabela mínima para os valores de frete. A pesquisa CNT Perfil dos Caminhoneiros 2019 mostra que 65% dos entrevistados participaram da paralisação em 2018 e 56% não ficaram satisfeitos com suas conquistas.

“Não tem clima para isso (paralisação). Outro dia, recebi um áudio de um caminhoneiro dizendo: sabe quando Titanic estava afundando e os músicos continuaram tocando? O transporte de carga é uma atividade produtiva, mas tem uma paixão por trás. Vamos continuar, como os músicos do Titanic”, diz Helou.

Mas ele reconhece que atual pandemia de coronavírus terá impactos muito fortes no setor, com um “impacto de caixa brutal” com a desaceleração prevista na economia.

Pela oferta grande de caminhoneiros no país e previsão de redução na demanda pelo transporte de cargas, o professor Marcus Quintella, coordenador do FGV Transportes, acredita também que uma paralisação seria um “tiro no pé”. Ele diz que a urgência de medidas para garantir o fluxo nas estradas expõe, mais uma vez, a dependência do Brasil no transporte rodoviário.

“De toda a carga transportada no Brasil, 61% é feito pelo modo rodoviário. Cerca de 20%, pelo modo ferroviário — sendo que neste, 80% são minérios e o restante, grãos como soja, milho. O transporte rodoviário é fundamental em qualquer lugar do mundo, mas aqui é exagerado: longas distâncias são percorridas, e a dependência é total para o transporte de alimentos, combustível, produtos industrializados…”, aponta Quintella.

Fonte: BBC Brasil

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